Nós que fazemos o Grupo de Pesquisa Nordestanças fomos tomados por uma profunda tristeza no dia de ontem, com a notícia da morte de um trabalhador do Mercado da Produção em Maceió, diagnosticado com Covid-19. Antes de mais nada nos solidarizamos com a família nessa dor, esperando que algum conforto acalme seus corações. Gostaríamos de compartilhar também algumas inquietações que nos atravessam nesse momento. O grupo tem desenvolvido há 12 anos pesquisas acerca da cultura popular a partir de várias temáticas. Nossa perspectiva teórica inclui as discussões das dimensões políticas da cultura, pois não nos interessa tratá-la como exotismo, ornamento ou descarnada das pessoas que a fazem diariamente. Muitas dessas pessoas estão constantemente em condição de vulnerabilidade econômica decorrente da escandalosa desigualdade social de nosso país. Desde 2018 estamos desenvolvendo uma pesquisa acerca das feiras populares do estado de Alagoas, enfatizando sua dimensão da memória, das insurgências e articulações, das gambiarras que se fazem necessárias no fazer cotidiano das feiras (o que já acentua a ausência de infraestrutura nas mesmas). Discutimos também o quanto o uso do espaço público e a presença dos corpos nas feiras é fundamental para as relações sociais, econômicas e afetivas que a constituem. E chega então uma pandemia com capacidade de contágio assombrosa e taxa de mortalidade elevada num país cuja infraestrutura da saúde (pública e privada) é bastante precária. Nesse momento uma série de questões nos surgem e nossa responsabilidade enquanto Grupo de Pesquisa atuante numa Universidade Pública nos faz articular várias possibilidades de ajuda aos feirantes. Criamos inicialmente uma campanha de divulgação dos feirantes que estavam fazendo entregas, nas redes sociais com a #fazafeiraalagoas. Tivemos alguma resposta principalmente de feirantes dos municípios de Maceió e Arapiraca, as duas maiores cidades do estado. Conversamos entre nós que ainda que essa seja uma ação pequena, se um só feirante conseguisse vender seus produtos por conta dela, teríamos feito um mínimo. Ontem em nossa reunião semanal (antes da notícia do falecimento), fizemos um balanço da ação, constatando algumas questões como a falta de acesso à internet e aos meios técnicos para a entrega por parte dos feirantes, a baixíssima adesão (se é que podemos dizer que houve alguma) do poder público na campanha, e finalizamos com uma extrema preocupação pelas fotos divulgadas ao longo do final de semana “santo”, de aglomerações imensas em várias feiras do estado para a compra de peixe. Os feirantes precisam vender, é fato. É da feira que inúmeras famílias retiram seu sustento, incluindo feirantes, carregadores, agricultores. O auxílio emergencial proposto pelo Governo Federal e que abarca os feirantes até hoje não foi pago e necessita do mesmo acesso à internet que já havíamos identificado como muito pouco disseminado entre feirantes e consumidores. O Whatsapp – é importante frisar – não conta dados de internet na maioria dos pacotes das operadoras de telefonia. É ele o meio de comunicação e circulação de informações mais usado e sabemos a esse ponto quanta desinformação circula através do mesmo. Não é de se estranhar um enorme aglomeração no Mercado da Produção num dos momentos de maior venda do mesmo – a semana santa. Não é de se estranhar que haja contaminação ocorrendo num espaço onde o poder público atua através da fiscalização, cobrança de taxas e ameaça constante de remoção, mas que enche de lama a cada chuva anual. Não será espantoso se o resultado disso for uma aceleração do contágio. Mas também não consideramos justa a culpabilização dos feirantes pela mesma num cenário em que parte da população “esclarecida” e com meios econômicos de reprodução social garantidos também não segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Resta em nós uma profunda tristeza e uma reflexão constante sobre como podemos ajudar a mudar esse quadro. Esperamos sinceramente que as diferentes esferas do governo ajam para garantir que estes trabalhadores também possam ficar em casa. Nós do Grupo de Pesquisa Nordestanças estamos buscando esses meios. Fotos: Nathália Feitosa; Mariana Monteiro; Laís Caroline dos Santos; William Vieira (2019). As fotografias foram produzidas numa vivência do Mercado da Produção realizada pelo grupo, após o horário de fechamento do mesmo – com o pavilhão quase vazio.
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